sábado, 8 de junho de 2013

A Cartola do nº 87








O Montes morava  naquele sobrado  no fim da Ouvidor, onde todos gostariam de morar,  tal a boa localização. Ele era homem de poucas palavras. Bem vestido e Elegante com sua bengala e cartola , mas taciturno e sério ao extremo. Porém era notório seu lado galanteador,com a publicação de  seus versos, de quando em quando para  o público feminino de então. Ficávamos sabendo  o que pensava ele, através de sua  coluna  no Jornal da Manhã. Tudo aquilo que não lhe saltava dos lábios, era  externado  no folhetim matutino. Não poupava  palavras e nem argumentos para  justificá-las.E convencia. Logo lhe veio por  alcunha o apelido de Cartola do nº 87, número de sua casa na Rua do Ouvidor.

Eram idos de 1889,pipocavam nas ruas os comentários  sobre a República que realmente, em breve viria. Estávamos  ainda no mês de março. Naqueles dias informação e especulação eram a mesma coisa. Todos tinham sua opinião a dar e sempre estavam absolutamente certos.Com o Luiz  Montes não era diferente. Sua presença silenciosa sempre observando, ‘pescando’ informações ou  projetando conjecturas deixava quaisquer dos ambientes que frequentava, nervoso,tenso.E o medo de ser agregado em sua coluna não pelos  motivos certos, congelava a alma  de seus conhecidos. E não vamos aqui  falar sobre inimigos.

Havia sempre alguém espreitando os hábitos do jornalista, que muito discreto não deixava grandes pistas de suas fontes, contatos e amigos pessoais. Nem mesmo de mulheres a quem pudesse dar a afamada honra de seu galanteio. Somente quando  os rumores sobre uma plausível República se acirraram é que começaram a  fazer plantão  na esquina da Ouvidor,de frente a janela do Luiz. Nada escapava. Até altas horas da madrugada, ou enquanto a luz não se apagava lá estaria alguém  olhando para cima, vigiando a entrada  do prédio. Mas nenhum deles entre aqueles que iam tomar ciência de  algum fato, podia sequer desconfiar da estratégia do moço.

Montes chegava em casa lá pelas vinte horas. Já havia jantado na pensão  de D. Sônia. Não era homem de desperdiçar dinheiro com exibições de comilanças, como costumava dizer. Ali, fazia suas três refeições diárias. Nem mesmo costumava sentar-se acompanhado para o almoço. Comia na varanda da sala de pensão, na única mesa que ali havia, cercado de alguns vasos  de plantas e flores. Ao sair   do jornal,que ficava  para os lados do Campo de Santana, ia caminhando até a Ouvidor sempre  em ritmo acelerado, batendo sua bengala num ou outro pedaço de calçada.

Onde afinal, buscava  o Montes, as novidades que sempre em primeira mão  costumava  vir na primeira página do Jornal da Manhã?Era um mistério ler notícias que certamente só podiam ter vindo do interior do palácio,quiçá da escrivaninha do próprio imperador. Fato é que  seu prestígio junto às oligarquias  que apoiavam a República, só aumentava. O cerco de outros matinais  sobre suas fontes era já aberto, descarado mesmo. E a atitude cada vez mais prepotente do jornalista só servia para tirar-lhe cada vez mais a liberdade. Coisa que parecia não incomodar o rapaz que em nada modificara sua rotina e hábitos.

Lá pelo mês de setembro foi feita uma aposta sobre de onde vinham às informações que sempre  se concretizavam ou dos comentários tão bem justificados. A maioria arriscou que era através de alguma  baronesa, ou duquesa...Mas outros apostavam  na sutileza de informantes palacianos, tal como os serviçais pessoais do imperador. Não havendo mais  como bisbilhotar a vida do rapaz pelo lado de fora de sua casa, valeram-se de todas as propostas possíveis ou não para  descobrir algo qualquer através dos serviço de entrega. Momento ímpar na vida do Montes que nunca antes ganhara tantos presentes. Mas nada, absolutamente nada foi descoberto. 

Dia 15 de novembro  do ano de 1889,aconteceu  o evento da Proclamação da República, deixando sua marca na História do Brasil como o início de uma nova fase para todos os brasileiros. Dia 16, em nota de rodapé sob sua coluna diária no jornal da Manhã,o jornalista Luiz Montes satisfez a curiosidade de todos,até mesmo com certo ar de zombaria disse ele que o jornalismo era feito de detalhes, e que  prescindia que estes fossem mais esmiuçados, porque se assim houvesse acontecido, todos teriam notado que ao sair de casa pela manhã, nunca saia de cartola, mas ao regressar  à sua casa a noite, sempre vinha com  o tal apetrecho sobre a cabeça.

A imprensa local tomou ciência que as informações,sempre vinham dentro das cartolas levadas sobre as cabeças de um ou outro colaborador ou visitante do Jornal que as deixavam sobre a mesa do  jornalista Montes todos os dias. Mas este apenas  divulgou como recebia  suas informações,não sua fonte, permanecendo assim parte do mistério. E com tantas cartolas em seu armário de casa,disse ainda em  nota que  estava fazendo doações  para os interessados,porque bastava  a ele,apenas uma ou duas destas, ganhas durante todos aqueles meses. No dia seguinte à explicação dos fatos, todos os jornais da cidade do Rio de Janeiro,logo abaixo das notícias da Recém República, noticiaram sobre o episódio que referiram como ‘A Cartola do nº 87 ’.

Maura Nelle




Um comentário:

  1. Oie Maura, li seu conto e gostei muito!

    Que bela surpresa... já pensou escrever romances policiais?!

    Carambolas, diria até que gostei muito mais desse do que o Morumbi, não que ambos não estejam igualmente bem escritos e inusitados.

    Acontece que A Cartola reúne mais elementos que me chamam atenção, prendem minha leitura - uma figura enigmática - um quê de suspense - a oportunidade de passeio por nossa história, enfim... muitooo criativo.

    Eu diria que só me restaram os suspiros uma vez fatalmente chegada a última linha... desejei mesmo que fora um livro e esqueceria tudo que estou fazendo e continuaria a leituras por horas e horas.

    Putzs, que personagem!! Tem potencial!!

    Parabéns, um abraço,

    Anna Xavier

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Paz e Bem!
Maura Nelle