Gracinda ficou na plataforma de trem aproximadamente uma hora e meia, resolvendo se embarcava ou não.Não estava ainda bem certa quando seus ouvidos captaram um diálogo que descrevia uma situação parecida com a sua: Mas mãe, o pai era pra ter chegado faz muito tempo atrás.Vamos pra casa, estou cansada e não acredito mais que ele venha. Ele já fez isso antes vezes demais para você ainda acreditar que ele voltaria. Ele não volta mãe.Foi nesse momento que Gracinda sentiu uma dor no peito.Tinha medo de ir e não voltar mais.Seus filhos eram ainda tão pequenos, que lembranças afinal teriam dela. Entenderiam que isso era o melhor que poderia fazer? Mas e ela , pensava assim também, via nesse gesto desesperado o melhor a fazer? Ir para outra cidade tentar melhores condições sempre estivera entre seus planos, mas antes de ter seus filhos.Agora não sabia se iria aguentar...de saudades, de solidão, de culpa.
Anos atrás, quando o pai lhe pedira para não casar com aquele homem, ficar um pouco mais com sua família e esperar por uma oportunidade melhor de casamento, ela simplesmente ignorou o pedido do pais e de seus irmãos e se casou com o sonhador Gastão, que tinha uma plantação de macaxeira, do outro lado do poço coletivo , na vila onde nascera e vivera até então.Ninguém naquelas estalagens tinha grandes sentimentos por ele.Sempre sovina, taciturno e fedido.O que afinal, a mais bonita de suas filhas tinha visto nesse homem, perguntava-se o pai.Depois do casamento na igreja de frente com a estação de trem,ele a viu partir, para irem para a capital.Deu nó na garganta e desejou poder chorar como a muito não fazia mais. A única coisa que o consolava, era a esperança de saber que Gracinda de fato estaria melhor de vida, dada toda aquela propaganda sobre aqueles que foram tentar a sorte na capital e depois de pouco mais de um ano, já voltavam para buscar o restante da família.
Cinco anos haviam passado e ela viúva, lavava roupa para a metade do mundo e cozinhava para a outra metade...Não tinha o seu próprio lugar para morar com os filhos , a única coisa que o marido lhe deixou de bom.Não tinha roupas decentes, não tinha comida o suficiente.Deixando de comer para alimentar os filhos nunca se sentia forte o bastante para trabalhar mais e assim era um circulo vicioso...Não conseguia se dar bem em São Luis e nem conseguia voltar para a casa de seus pais em São Pedro dos crentes.Foi nessa situação sofrida que aceitou a 'boa vontade ' de um vizinho caminhoneiro que já lhe oferecia faz tempo uma carona para a terra dos pais.Em todas as paradas tinha que descer e agradar o marmanjo de alguma forma.Quando chegou na cidade, desceu e se pôs a caminhar os seis quilômetros que faltavam até a porta de sua casa. Não queria que aquele vigarista aproveitador lhe aparecesse na porta num dia de seu futuro. Seria então capaz de mata-lo.Seus filhos chegaram quase mortos de fome e sede.Tudo o que conseguira de comer durante a viagem , foi repartido entre as crianças.
Agora depois de um mês, estava ali, na mesma estação em que havia idealizado grandes sonhos e tecido todas as suas esperanças.Seus filhos, deixados com os pais,estariam a salvo da fome.Na bolsa, dado de bom grado, as generosas economias do irmão mais velho.No coração, a dor da saudade já antecipando o pranto e o sofrimento da distância. Mas ao olhar para frente , não se sentia mais como uma sonhadora.Agora era uma real experiência de trabalho em Açailândia, uma das cidades mais promissoras de todo o Maranhão.Sobrevivia da exportação de ferro vindos das cinco siderúrgicas ali instaladas.E favorecia a muitos que ali chegavam querendo trabalhar e mudar de vida.Sem que mesmo tentassem antes ir para a capital, como ela mesma já fizera uma vez. Estava indo como cozinheira, indicada por um antigo patrão de São Luis.E em breve poderia juntar sua família e talvez até mesmo melhorar o futuro de suas irmãs ainda bem jovens. Só o que precisava era deixar os filhos seguros.E nunca mais faria barganhas com o diabo.Enxugando as lágrimas entrou no vagão do trem que a levaria para a possibilidade de dias melhores, pensando já na expectativa do reencontro com a família.Sorriu e não teve mais dúvidas.A esperança já lhe trazia parte da felicidade que estava indo plantar.
Maura Nelle
Que lindo teu conto e bem emocionante.Uma história de vida realmente.ADOREI! beijos,chica
ResponderExcluir