O Montes morava naquele sobrado no fim da Ouvidor, onde todos gostariam de
morar, tal a boa localização. Ele era
homem de poucas palavras. Bem vestido e Elegante com sua bengala e cartola ,
mas taciturno e sério ao extremo. Porém era notório seu lado galanteador,com a
publicação de seus versos, de quando em
quando para o público feminino de então.
Ficávamos sabendo o que pensava ele,
através de sua coluna no Jornal da Manhã. Tudo aquilo que não lhe
saltava dos lábios, era externado no folhetim matutino. Não poupava palavras e nem argumentos para justificá-las.E convencia. Logo lhe veio
por alcunha o apelido de Cartola do nº
87, número de sua casa na Rua do Ouvidor.
Eram idos de 1889,pipocavam nas
ruas os comentários sobre a República
que realmente, em breve viria. Estávamos
ainda no mês de março. Naqueles dias informação e especulação eram a
mesma coisa. Todos tinham sua opinião a dar e sempre estavam absolutamente
certos.Com o Luiz Montes não era
diferente. Sua presença silenciosa sempre observando, ‘pescando’ informações
ou projetando conjecturas deixava
quaisquer dos ambientes que frequentava, nervoso,tenso.E o medo de ser agregado em sua
coluna não pelos motivos certos,
congelava a alma de seus conhecidos. E
não vamos aqui falar sobre inimigos.
Havia sempre alguém espreitando
os hábitos do jornalista, que muito discreto não deixava grandes pistas
de suas fontes, contatos e amigos pessoais. Nem mesmo de mulheres a quem pudesse dar a afamada honra de seu
galanteio. Somente quando os rumores
sobre uma plausível República se acirraram é que começaram a fazer plantão
na esquina da Ouvidor,de
frente a janela do Luiz. Nada escapava. Até altas horas da madrugada, ou
enquanto a luz não se apagava lá estaria alguém
olhando para cima, vigiando a entrada
do prédio. Mas nenhum deles entre aqueles que iam tomar ciência de algum fato, podia sequer desconfiar da
estratégia do moço.
Montes chegava em casa lá pelas
vinte horas. Já havia jantado na pensão
de D. Sônia. Não era homem de desperdiçar dinheiro com exibições de
comilanças, como costumava dizer. Ali, fazia suas três refeições diárias. Nem
mesmo costumava sentar-se acompanhado para o almoço. Comia na varanda da sala
de pensão, na única mesa que ali havia, cercado de alguns vasos de plantas e flores. Ao sair do jornal,que ficava para os lados do Campo de Santana, ia
caminhando até a Ouvidor sempre em ritmo
acelerado, batendo sua bengala num ou outro pedaço de calçada.
Onde afinal, buscava o Montes, as novidades que sempre em primeira
mão costumava vir na primeira página do Jornal da Manhã?Era
um mistério ler notícias que certamente só podiam ter vindo do interior do
palácio,quiçá da escrivaninha do próprio imperador. Fato é que seu prestígio junto às oligarquias que apoiavam a República, só aumentava. O
cerco de outros matinais sobre suas
fontes era já aberto, descarado mesmo. E a atitude cada vez mais prepotente do
jornalista só servia para tirar-lhe cada vez mais a liberdade. Coisa que
parecia não incomodar o rapaz que em nada modificara sua rotina e hábitos.
Lá pelo mês de setembro foi feita
uma aposta sobre de onde vinham às informações que sempre se concretizavam ou dos comentários tão bem
justificados. A maioria arriscou que era através de alguma baronesa, ou duquesa...Mas outros
apostavam na sutileza de informantes palacianos,
tal como os serviçais pessoais do imperador. Não havendo mais como bisbilhotar a vida do rapaz pelo lado de
fora de sua casa, valeram-se de todas as propostas possíveis ou não para descobrir algo qualquer através dos serviço de
entrega. Momento ímpar na vida do Montes que nunca antes ganhara tantos
presentes. Mas nada, absolutamente nada foi descoberto.
Dia 15 de novembro do ano de 1889,aconteceu o evento da Proclamação da República, deixando
sua marca na História do Brasil como o início de uma nova fase para todos os
brasileiros. Dia 16, em nota de rodapé sob sua coluna diária
no jornal da Manhã,o jornalista Luiz Montes satisfez a curiosidade de todos,até mesmo com certo ar de
zombaria disse ele que o jornalismo era feito de detalhes, e que prescindia que estes fossem mais esmiuçados,
porque se assim houvesse acontecido, todos teriam notado que ao sair de casa pela
manhã, nunca saia de cartola, mas ao regressar
à sua casa a noite, sempre vinha com
o tal apetrecho sobre a cabeça.
A imprensa local tomou ciência que
as informações,sempre vinham dentro das cartolas levadas sobre as cabeças de um
ou outro colaborador ou visitante do Jornal que as deixavam sobre a mesa
do jornalista Montes todos os dias. Mas
este apenas divulgou como recebia suas informações,não sua fonte,
permanecendo assim parte do mistério. E com tantas cartolas em seu armário de
casa,disse ainda em nota que estava fazendo doações para os interessados,porque bastava a ele,apenas uma ou duas destas, ganhas
durante todos aqueles meses. No dia seguinte à explicação dos fatos, todos os
jornais da cidade do Rio de Janeiro,logo abaixo das notícias da Recém República,
noticiaram sobre o episódio que referiram como ‘A Cartola do nº 87 ’.
Maura Nelle
Oie Maura, li seu conto e gostei muito!
ResponderExcluirQue bela surpresa... já pensou escrever romances policiais?!
Carambolas, diria até que gostei muito mais desse do que o Morumbi, não que ambos não estejam igualmente bem escritos e inusitados.
Acontece que A Cartola reúne mais elementos que me chamam atenção, prendem minha leitura - uma figura enigmática - um quê de suspense - a oportunidade de passeio por nossa história, enfim... muitooo criativo.
Eu diria que só me restaram os suspiros uma vez fatalmente chegada a última linha... desejei mesmo que fora um livro e esqueceria tudo que estou fazendo e continuaria a leituras por horas e horas.
Putzs, que personagem!! Tem potencial!!
Parabéns, um abraço,
Anna Xavier